5 de maio de 2015 Notícias

Dados recentes mostram que ocorreram 17.000.000 de mortes diretamente relacionadas a essa doença em 2011, e os números para 2030 são ainda mais alarmantes: 23.000.000

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Prof. Dr. Fábio Villaça, chefe da Clínica Médica e disciplina de Cardiologia da FAMEMA – Divulgação

Há algo novo na prevenção da doença arterial aterosclerótica cardiovascular, líder em todo mundo industrializado de causa principal de morte e limitações funcionais importantes? De acordo com dados recentes ocorreram 17.000.000 de mortes diretamente relacionadas a essa doença em 2011, e os números para 2030 são ainda mais alarmantes: 23.000.000.

Entrevistamos o Prof. Dr. Fábio Villaça, chefe da Clínica Médica e disciplina de Cardiologia da FAMEMA, que recentemente esteve no congresso de cardiologia em San Diego , onde aproximadamente 12.000 cardiologistas de todo o mundo puderam acompanhar os resultados dos últimos estudos visando diminuir drasticamente esses números.

Inicialmente, comenta o prof. Villaça, eu chamaria a atenção que de acordo com as evidências atuais, a aspirina, medicamento bastante utilizado por adultos em todo o mundo para a prevenção de um primeiro infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), não deve ser utilizada rotineiramente para a prevenção primária. A decisão da prescrição desse medicamento deve ser individualizada, levando em consideração o risco cardiovascular do paciente, bem como a possibilidade de risco de sangramento gastrointestinal e hemorragia cerebral que podem ocorrer com o uso desse medicamento.

A aspirina, explicou o médico, tem como uma de suas funções impedir que as plaquetas, que são responsáveis pela formação do coágulo nos nossos vasos sanguíneos, se juntem formando o trombo que leva a interrupção do fluxo de sangue, seja do coração ou do cérebro, causando assim o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral. O que está bem fundamentado é que devem tomar aspirina, na dose de 100 mg ao dia continuadamente, pessoas que já tiveram um infarto ou um acidente vascular cerebral, ou então foram submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio ou a colocação de um stent na sua artéria coronária.

Com relação a dose, 100 mg é suficiente na prevenção de um segundo evento nessas pessoas, pois os estudos mostraram que doses maiores não garantem maior proteção, mas sim um risco maior de complicações hemorrágicas. E se eu contrair dengue, pergunta frequente no consultório dos cardiologistas nesses últimos meses: a resposta é que a aspirina pode ser mantida inicialmente sem grandes riscos de piora da dengue, mas deve realizar exame de sangue com contagem do número de plaquetas a cada 2 a 3 dias. Caso começar a cair o número de plaquetas e for inferior a 50.000, deve ser suspenso a aspirina temporariamente, pois nessa situação o risco de hemorragia é muito maior que o benefício de evitar a formação de trombo pela aspirina.

Quanto as pessoas que não tiveram qualquer evento cardiovascular prévio, quais as que poderiam se beneficiar com seu uso preventivo? Segundo Villaça, a recomendação atual é sua utilização nos diabéticos do sexo masculino maiores de 50 anos ou do sexo feminino maiores de 60 anos, e que tenham mais um fator de risco como tabagismo, hipertensão, dislipidemia, perda de proteína na urina ou história familiar de parente do 1º grau (pais ou irmãos) com evento cardiovascular com menos de 55 anos para sexo masculino e menos de 65 anos para sexo feminino, e não tenham história de sangramento digestivo. Também podem se beneficiar os não diabéticos que tenham um risco elevado acima de 2% de risco de evento cardíaco/ ano de acordo com escore de Framingham, escore que se baseia na idade, sexo, pressão arterial , tabagismo e níveis do colesterol total e do HDL colesterol (colesterol bom). Um dado bastante interessante, é que os indivíduos com risco intermediário de Framingham, com chance de eventos entre 1 a 2%/ ano, são potencialmente elegíveis de tomarem AAS, mas antes verificar se têm risco de sangramento por uso de outros medicamentos concomitantes e têm história de câncer de tubo digestivo, especialmente de colon, pois vários estudos têm mostrado a diminuição de câncer de colon com o uso de AAS. Assim, devemos conversar individualmente e ver a relação benefício e risco.

E o grande vilão do coração, o colesterol, há algo de novo?

Comentando sobre isso, o prof. Villaça chamou a atenção que contribuições importantes foram acumuladas nas últimas 3 décadas, em estudos bioquímicos, epidemiológicos e experimentais da importância dos níveis elevados do LDL colesterol com aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. Esses estudos levaram a realização de estudos clínicos chamados de trials que demonstraram que reduzindo os níveis no sangue do colesterol havia uma redução de eventos cardiovasculares, estando a partícula ldl do colesterol como causa central da aterogenese, causando assim a doença cardiovascular aterosclerótica.

Precisa ser enfatizado que as modificações no estilo de vida como dieta rica em frutas, verduras, peixes, com carne vermelha esporádica, exercícios regulares, evitar tabagismo e o sobrepeso, permanecem como ponto crucial em promover a saúde e reduzir os eventos cardiovasculares, em conjunto com o uso de drogas que reduzem o colesterol.

Dentre as drogas que atuam reduzindo o colesterol, após mais de 25 anos de uso clínico, as estatinas são o grupo mais importante, reduzindo os eventos cardiovasculares. Com a sua eficácia comprovada, elas se tornaram a terapêutica de escolha para pessoas que têm dificuldade em reduzir o colesterol com as medidas de mudança no estilo de vida; a estimativa atual é de 15.5% da população americana usando esse tipo de droga, e sendo uma das principais responsáveis pela redução de morte cardiovascular observada nos EUA desde a década de 1970. Ajudando a prevenir o desenvolvimento da doença aterosclerótica cardiovascular antes dela ocorrer e ainda reduzindo o risco de eventos futuros nos indivíduos que já têm a doença aterosclerótica, as estatinas têm mostrado um grande impacto na saúde pública.

Percebendo o impacto da importância em se reduzir eventos futuros cardiovasculares na população americana, a Sociedade Americana de Cardiologia no final de 2013 publicou a nova diretriz que enfatiza a importância desse medicamento em reduzir o risco da doença aterosclerótica cardiovascular. Os pontos mais importantes dessa nova orientação foram então exaustivamente discutidos no evento em San Diego, chamando a atenção dos cardiologistas ali presentes para uma mudança de atitude em relação aos seus pacientes ao retornarem aos seus consultórios, procurando conscientizar seus pacientes que uma prevenção bem feita vai contribuir em muito para reduzir eventos como infarto, acidente vascular cerebral e obstrução dos vasos dos membros inferiores. Os pontos mais importantes, resumidamente foram: checar fatores de risco cardiovascular em indivíduos com mais de 21 a 79 anos a cada 4 anos, em pacientes sem doença aterosclerótica diagnosticada, constando da avaliação a dosagem de lipides, glicemia, pressão arterial, e revendo hábitos como tabagismo, hábitos alimentares e sedentarismo; estimar risco de eventos cardiovasculares em 10 anos para indivíduos com idade entre 40-79 anos usando o novo escore de risco que prevê não só infarto fatal e não fatal, mas também AVC, que pode ser encontrado na internet “ASCVD risk calculation”. Usando esse escore temos uma estimativa de eventos e da indicação de prescrever estatina na redução do risco de eventos futuros. Como exemplo, um adulto do sexo masculino com 55 anos de idade, tabagista, não diabético com pressão de 150/90 em tratamento da hipertensão, colesterol total de 230 e HDL colesterol de 33, tem risco estimado de eventos cardiovasculares em 10 anos de 25.4%. Isso significa que em 10 anos 25 indivíduos com esse perfil podem apresentar um evento, infarto do miocárdio ou AVC, evidenciando a importância no controle dos fatores de risco, controle adequado da pressão arterial, cessar tabagismo e utilizar uma estatina para melhorar seu perfil lipídico. Com a otimização dos fatores de risco, esse risco cai para 3.6%, chama a atenção o Dr. Villaça, motivando o paciente mostrando em números o que pode acontecer; a nova orientação melhora as orientações que existiam até então, identificando 2 grupos de indivíduos de alto risco que devem receber estatina no seu tratamento, que reduzam o valor original do LDL mais de 50%: os com doença aterosclerótica cardiovascular já estabelecida (infarto, acidente vascular cerebral e obstrução dos vasos periféricos) e os indivíduos com 21 anos, os com provável dislipidemia familiar diagnosticada quando encontramos LDL maior de 190, que vão apresentar um risco elevado de eventos CV futuros, pois precocemente têm valores elevados. Nesse último grupo, ressalta o prof. Villaça, devemos fazer um screening familiar, pois mais pessoas da família vão se beneficiar do tratamento precoce. Indivíduos com LDL acima de 190 e TG acima de 500 devemos sempre procurar causas como excesso de consumo de álcool, hipotireoidismo, DM não controlada, insuf. Renal, uso de anabolizantes.

Com relação aos efeitos colaterais das estatinas, comenta o Prof. Villaça, são remédios seguros, mas que podem levar a alterações musculares causando dor muscular, podem induzir ao aparecimento de diabetes nos indivíduos com propensão para tal, podem causar efeitos em outros órgãos como o fígado e interagirem com outras medicações. Não causam problemas na memória, e se o LDL com o uso da medicação for menor que 40, deve ser interrompida.

Há algum remédio novo no combate ao colesterol?

Sim, responde o professor, um novo medicamento que é anti-corpo monoclonal atuando especificamente no fígado impede a habilidade de remover o LDL colesterol do sangue, sendo a principal indicação para quem não pode tomar estatina, ou tem dislipidemia familiar, ou ainda com dose máxima de estatina não consegue redução do colesterol. É usado como injeção a cada 15 dias, reduz LDL em 61% em 12 semanas, não tem efeitos colaterais significativos, diminui significativamente eventos cardiovasculares. O médico destaca que o Instituto do Coração de Marília está fazendo parte desse estudo clínico que envolve centros médicos em todo o mundo, devendo ser iniciado no próximo mês em nossa cidade.

Finalizando, o Dr. Villaça comenta uma pesquisa recente realizada nos EUA acerca do uso de Medicações para tratamento dos problemas de coração: Remédios não funcionam em pacientes que não tomam; 3 a cada 4 pacientes não tomam regularmente seus remédios; 60% das pessoas não lembram corretamente o nome dos remédios que tomam; 20% das pessoas tomam remédios de outras pessoas; 30 a 60% das pessoas admitidas na internação são devido a baixa aderência das medicações; apenas 47% das pessoas tomam adequadamente suas medicações.

Isso ressalta a importância dos agentes de saúde (médicos, enfermeiras, unidades de saúde, farmácias) conscientizarem as pessoas de tomarem adequadamente suas medicações, evitando assim o tratamento sub-ótimo ou inadequado.